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As usinas são para ser implantadas dentro das cidades

As usinas são para ser implantadas dentro das cidades

Fonte: Brasil Energia Por Marcelo Furtado – 23/08/2024. Foto: Bolognesi está desenvolvendo projetos de UREs no Brasil

UREs são para ser implantadas dentro das cidades, diz consultor

Antonio Bolognesi defende segurança operacional de usinas de recuperação energética em centros urbanos, rebatendo PL que tenta proibi-las nessas regiões, e ainda faz panorama do mercado, revelando que capital paulista construirá quatro UREs.

Potenciais investidores e profissionais ligados à tecnologia de recuperação energética de resíduos sólidos por meio de usinas térmicas com incineração estão preocupados com a possível tramitação no Congressso Nacional de um projeto de lei (4462/19) que proíbe as usinas nas cercanias de áreas residenciais.

A alegação do autor do PL é a de que haveria riscos nas emissões da incineração, o que é rebatido por especialistas, como o consultor Antonio Bolognesi, da WTEEC, que explicou sua posição em entrevista à reportagem da Brasil Energia.

Para Bolognesi, responsável pela elaboração de projeto já licenciado em São Paulo, o do Consórcio Intermunicipal de Manejo de Resíduos Sólidos da Região Metropolitana de Campinas, o Consimares, que reúne os municípios de Elias Fausto, Capivari, Hortolândia, Monte Mor, Nova Odessa, Santa Bárbara D´Oeste e Sumaré, a proposição é ideológica e não tem fundamento técnico.

Prova disso, segundo ele, é que a maior parte das mais de 3 mil usinas de recuperação energética em operação no mundo não levam esses limites em conta em suas implementações. Isso principalmente por conta da alta eficiência dos sistemas de controle de emissões e ainda por conta do benefício de reduzir os trajetos das viagens dos caminhões de coleta de lixo, que normalmente percorrem caminhos maiores até aterros (estes sim em boa parte mais distantes das cidades).

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Como o sr. avalia o PL 4462/19, que pretende proibir usinas de recuperação energética (UREs), com incineração, nas cercanias de áreas residenciais?

Esse tipo de perseguição ideológica é no mundo todo. E esse projeto de lei é pura ideologia e quer só inviabilizar o negócio. Não tem uma explicação lógica para essa perseguição, porque na prática é a melhor solução do mundo hoje para a destinação final de resíduos. Ela não traz nenhum tipo de problema. As emissões são extremamente baixas, em dezenas de vezes abaixo dos níveis máximos tolerados pelos órgãos ambientais. Não faz barulho, não faz fumaça, não tem mau cheiro, não deixa passivo no solo. Os resíduos são incinerados a uma temperatura da ordem de 1000 graus. Ou seja, nada sobrevive num ambiente dessa temperatura. Inclusive resíduos hospitalares são incinerados junto com os resíduos urbanos, porque nenhum outro tipo de tratamento consegue uma eficiência tão alta em tratamento de patógenos. E o que sobra são de 10% a 15%, em volume, de cinzas, que são reaproveitadas na mistura com concreto ou no asfalto.

Em específico, de que forma essa tentativa do PL de impor a distância mínima de 20 km de áreas residenciais pode inviabilizar as usinas?

Todas as usinas de WTE (do inglês waste to energy) no mundo estão dentro das cidades, porque justamente isso é uma das grandes virtudes da solução. Os caminhões de lixo que iriam viajar 10 km, 15 km ou mais para levar os resíduos para os aterros vão gastar muito menos combustível para chegar até as usinas. Veja o exemplo de Paris, na França, tem três usinas literalmente dentro da cidade. Uma delas fica na margem do rio Sena, outra a dois quilômetros da torre Eiffel e a terceira perto do principal parque da cidade. Outras cidades, como Torino, Milão e Roma, na Itália, a mesma coisa. Até em Mônaco tem uma usina a 500 metros do Palácio do Governo.

Mas não pode haver riscos com o controle da emissões?

A tecnologia de controle é totalmente de domínio das empresas de engenharia que atuam na área, tendo em vista a experiência acumulada de mais de 3 mil plantas no mundo. O sistema usa lavagem de gases, com uso principalmente de cal e carbono ativado. Um ciclone faz a mistura dos gases com esses dois materiais e tudo que é tipo de contaminante eventual, incluindo dioxinas e furanos e compostos de cloro, é retido nessa nessa lavagem de gases. E essa mistura pode ser feita de forma seca ou úmida. Neste último caso, essa água que sai de lá é reciclada, não tem perda. A água numa planta dessa é praticamente zero. E logo em seguida da lavagem tem um filtro de mangas, que usa milhares de tecidos que seguram todo e qualquer tipo de poeira resultante da filtragem, do tratamento e da queima. Ou seja, o que sai na chaminé é praticamente vapor d’água.

Os críticos apontam que o problema é que a tecnologia pode incinerar materiais com possibilidade de serem reciclados. Qual sua visão sobre isso?

Não, todas as plantas no mundo só incineram materiais que vão para debaixo da terra nos aterros sanitários. Ou seja, só materiais não recicláveis. Tudo aquilo que for coletado para ser reciclado não é incinerado, é óbvio. Porque ele é separado antes. Tanto é assim que os países que mais reciclam são os que mais usam a tecnologia de incineração para geração de energia. E esses projetos vêm não raro com aderência a programas de educação ambiental, de esclarecimento da sociedade sobre a destinação de resíduos.

Mas e como ficam os aterros controlados nesse cenário?

Não vou nem questionar  se aterro é bom ou não é bom. Mas na Europa, por exemplo, os países estão há quase 50 anos num movimento de eliminação deles. Há uns lugares onde eles já não são mais permitidos, como na Alemanha, todos os escandinavos, na Suíça. Na média europeia a destinação para aterros representa cerca de 20%, principalmente nos países do leste europeu, mas que hoje são os que mais estão implantando novas usinas. A China é outro exemplo clássico. É a que mais está investindo, com a marca assustadora de praticamente uma nova usina por semana nos últimos anos.

A China já tem a maior capacidade instalada?

Em volume de resíduos tratados é o maior parque do mundo. Mas em número de plantas não. O Japão tem mais, com cerca de 1.100 instaladas. Porque também o Japão nem tem mais espaço para aterros, eles incineram tudo o que não é reciclável. E não à toa o país tem uma das melhores coletas seletivas do mundo.

Mas a questão de espaço não é problema para o Brasil, certo?

Isso também é conversa de quem quer realmente fazer aterro. Porque não faz sentido. O espaço que se ocupa para uma URE, projetada para atender uma cidade de 1 milhão de habitantes, é de 4 hectares. Uma planta dessa tem uma vida útil estimada em 40 anos. Nesse período, se a cidade for aterrar o lixo que passaria pelo incinerador, seriam ocupados algo como 300 hectares. Ou seja, praticamente cem vezes mais do que ocupa uma usina. Só que aí ainda tem uma diferença muito importante. O aterro é para sempre.  É uma área perdida. Você não pode fazer nada com ela. A WTE não. Se depois de 40 anos a cidade não quiser mais a usina, vai lá e recicla tudo e libera a área para usar até na agricultura. Porque tudo na usina é reciclável, metal, chapa de aço, e ela não contamina os solos, tem risco ambiental zero.  Já o futuro com aterros é algo insano, com áreas gigantescas de montanhas de lixo enterrado. Mesmo que se coloque um filme de plástico no fundo para não contaminar o solo e se capte parte do metano que iria para atmosfeta, não faz sentido.

A sua empresa é responsável pelo projeto do consórcio intemunicipal do interior paulista, o Consimares, que já está até licenciado. Será viabilizado?

Ele só não foi para licitação ainda por conta de discussões políticas. Mas isso está sendo resolvido e eu acredito que até o começo do ano que vem deve sair a licitação. Poderia até sair este ano, mas com as eleições para prefeitos, é muito difícil conseguir colocar para frente um projeto que pode acabar sendo usado politicamente.

Estão esperando contratação em algum próximo leilão de energia,como ocorreu com o único projeto em construção, a URE Barueri?

Isso vai depender do que nós estamos lutando no Congresso Nacional, por meio da Abren, para que nesse tipo de projeto, não apenas o Consimares, a compra da energia seja automática. Porque não faz sentido você fazer um leilão de energia, depois um leilão de concessão, depois um outro leilão de energia. Você gera uma insegurança jurídica muito grande. É ruim para o projeto.

O que está sendo pensado?

Estamos discutindo duas possibilidades. A primeira seria  um leilão simultâneo, com licitação da concessão junto com o leilão da energia, no mesmo dia, na mesma hora, com uma proposta conjunta. A segunda seria uma compra automática da energia, ou seja, o projeto vencedor adquire o direito de vender energia automaticamente para o sistema interligado, sem a necessidade de leilão. É assim no mundo todo. Não existem duas licitações para uma viabilizar uma URE. O que ocorre nos projetos pelo mundo é que ou o próprio Poder Público constrói, por meio de uma empresa pública para fazer aquela planta, ou então existe uma licitação integrada, pela qual o concessionário que ganha o projeto já automaticamente tem a energia negociada com a rede.

Aliás, o preço elevado da energia negociada nos leilões (R$ 714/MWh) também não atrapalha a viabilização dos projetos?

As tércmicas com residuos sólidos não são para para competir com eólica ou solar, porque ela é uma fonte que vai solucionar principalmente um problema de saneamento básico. E é assim no mundo inteiro. A energia é um subproduto do processo. Mas é importante como fonte de energia, porque  funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, o ano inteiro, estável e eficiente. A disponibilidade dela é na faixa de 95%, porque não se para de produzir lixo.  Inclusive nos países mais evoluídos do mundo, o lixo sempre aumenta de forma proporcional ao número de pessoas.

A eficiência energética das usinas é de quanto?

Para produção de energia elétrica tem uma eficiência máxima na faixa de 35%. Ainda assim é maior do que uma planta de energia solar, que no máximo chega a  25%, e similar a de eólicas, que variam de 35% a 45%. Mas não dá para comparar. Ninguém vai dizer que não vai investir em solar ou em biogás da agricultura, por exemplo, que tem 30%, porque tem essa eficiência.  Na verdade é preciso aproveitar todos os tipos de energia, caso contrário é uma má gestão de recursos naturais.

O capex da usinas também é alto. Isso é um obstáculo pra o mercado?

Não, a solução é totalmente viável no Brasil. Os projetos que estamos desenvolvendo levam em consideração a taxa de lixo que vai ser paga e a energia elétrica. No primeiro caso, está na faixa do mesmo que se paga para os aterros, entre 150 e 180 reais por tonelada. E aí tem a energia que, obviamente, vai ser em função do tamanho da planta. Quanto maior a planta, menor o custo da energia. E aí o valor do que foi pago no leilão, acima dos 700 reais, corrigidos para hoje, já viabilizam. Tudo bem, vai ser mais caro do que a eólica, mas o objetivo dessa fonte, como já disse, é resolver um problema ambiental.

Além do Consimares, quais mais projetos sua empresa está desenvolvendo?

Temos vários em estudo e dois totalmente desenvolvidos, além do Consimares o de Brasília, de 60 MW, que ainda não recebeu a licença por ser um processo demorado. Mas em estudo temos três no Nordeste, ainda com acordo de confidencialidade, dois em Santa Catarina e outro no Rio Grande do Sul. É bom ressaltar, aliás, que todos as plantas no Brasil que foram propostas aos órgãos ambientais foram licencidadas, como os projetos de Mauá e Santos, em São Paulo, do Caju, no Rio, e, claro, a de Barueri. Isso mostra como elas são seguras. É só decisão política para começar.

Tem percebido vontade política para isso?

Sem dúvida. E nesse sentido, além da região metropolitana de São Paulo ter a primiera usina viabililizada, em Barueri, a capital paulista vai puxar o mercado. Com a recente renovação dos contratos de gestão de resíduos, as duas concessionárias (Ecourbis e Loga) estão obrigadas a construir, como condição da renovação, cada uma duas UREs, para tratar mil toneladas por dia cada. Isso já está determinado no contrato. O projeto da Ecourbis, para começar, já está até desenhado. Vão contemplar dois ecoparques com UREs na zona sul, no aterro desativado de Santo Amaro, e na zona leste, no Aterro São João, todos com programa de coleta e triagem, compostagem de materias orgânicos limpos e a incineração com a geração de energia (mass burning). 

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