
Fonte: Brasil Energia por Por Marcelo Furtado – 01/09/2024.
Com cerca de 170 aterros com vida útil inferior a cinco anos, dos 334 para os quais 185 municípios do estado precisam percorrer mais do que 50 quilômetros para destinar seus resíduos sólidos urbanos, o estado de São Paulo dá sinais de que deve adotar, em breve, soluções de recuperação energética do lixo para tentar resolver pelo menos parte do problema.
Para começar, o governo estadual está convocando os municípios paulistas a se inscreverem no programa batizado de Integra Resíduos, até outubro, que visa auxiliar os prefeitos com assessoria jurídica, estudos de viabilidade técnica e econômica e estruturações de consórcios intermunicipais e parcerias público-privadas para projetos que, na maioria das vezes, devem incluir a recuperação energética. Já são 276 cidades inscritas no programa.
Há outro sinal importante, dessa vez na capital paulista. Além de a região metropolitana de São Paulo sediar a construção da única URE do país viabilizada, a de Barueri, prevista para 2026, a capital deve ser o próximo palco dos investimentos na área. Isso porque foram incluídas na recente renovação bilionária de contratos para coleta de lixo urbano da cidade (valor total de R$ 80 bi para 20 anos) determinações de que as duas empresas responsáveis pelos serviços, a Ecourbis e a Loga, implantem cada uma delas duas UREs na cidade.
Com a obrigatoriedade, as duas empresas já estão se adiantando com os projetos, alguns deles já com os auxogramas de tecnologias praticamente estruturados, e começam conversações, inclusive, com o órgão ambiental paulista, a Cetesb, para saber quais requisitos precisarão seguir para serem licenciadas e assim poderem prosseguir com os projetos.
Para viabilizar as usinas, segundo fontes a par das tratativas iniciais, a prefeitura financiará os projetos com o pagamento de um prêmio para o tratamento dos resíduos não-recicláveis dos sistemas de incineração (mass burning) e as empresas poderão negociar a energia no mercado livre. Cada uma das usinas deve ter capacidade para tratar 1000 t/dia.
Os projetos, segundo a determinação dos novos contratos de concessão, ficarão dentro de ecoparques. No caso do projeto da Ecourbis, serão um na zona leste, no aterro São João, e outro na zona sul, no aterro de Santo Amaro (desativado), onde está em licenciamento uma estação de transbordo de resíduos.
De acordo com uma fonte, os ecoparques da Ecourbis vão ter três linhas de tratamento de resíduos. Uma será de triagem de materiais recicláveis, que vai usar a mão de obra de cooperativas e de catadores.
Uma segunda etapa terá tratamento biológico de materiais orgânicos, onde será feita uma espécie de compostagem apenas com materiais limpos, como podas de árvores, resíduos de feiras livres e de jardinagem. Essa opção é para gerar um composto de melhor qualidade e não provocará o forte odor que resíduos orgânicos contaminados, em compostagens, provocam.
Por fim, na recuperação energética, a opção será pela incineração convencional.
(mass burning) das usinas térmicas movidas a RSUs. A Ecourbis, segundo a informação, já estaria inclusive com o layout da planta na zona sul pronta. Já a outra concessionária de coleta, a Loga, vai construir UREs na zona norte e oeste da cidade (as duas empresas foram contatadas, mas não atenderam os pedidos de entrevistas até o fechamento desta reportagem).
Cetesb confirma
A Cetesb, em consulta da reportagem da Brasil Energia, confirmou que as empresas envolvidas nas usinas, assim como a prefeitura paulistana, já estão se preparando para os projetos e breves licenciamentos.
Também o próprio órgão de controle, que desde 2009 já tem uma resolução (SMA 79) específica para licenciar UREs (fruto de intercâmbio de estudo entre técnicos da Cetesb e o estado da Baviera, na Alemanha), de acordo com o diretor de controle e licenciamento, Adriano Queiroz, se prepara para a provável maior demanda de UREs em regiões populosas, caso de São Paulo.
“Fomos recentemente visitar umas plantas na Europa, na Suíça, que são muito próximas de áreas residenciais, para saber em que pé está a tecnologia. É lógico que lá tem todo o controle dos poluentes das emissões, mas foi importante ver também que, em termos de impacto paisagístico, o processo foi melhorado de uma forma que não é possível ver emissão nenhuma saindo da usina”, disse Queiroz.
No momento, aliás, esse tema está em pauta no país, já que um projeto de lei (4462/19) mira proibir UREs em áreas residenciais, impondo o limite mínimo de 20 km para suas instalações.
Seis licenciadas
Outro sinal de que São Paulo pode puxar o mercado é o estado já ter seis projetos de usinas de recuperação energética (UREs) com licença ambiental de instalação emitidas pela Cetesb.
Ao todo, as UREs licenciadas terão, quando em operação, 176,98 MW de potência instalada e capacidade para processar 6.908 toneladas por dia de resíduos sólidos urbanos. O estado de São Paulo gera pouco mais de 40 mil t/dia de RSUs.
Entre todos os licenciamentos, o mais antigo, e cujas obras já estão em andamento, com previsão de entrar em operação entre o fim de 2026 e começo de 2027, é a URE Barueri, da Orizon, com 20 MW e capacidade para processar 870 toneladas por dia de RSUs da região.
Já a maior licenciada é a URE Mauá, cujo projeto é para ser instalado no Aterro Lara, na cidade de mesmo nome, na região metropolitana de São Paulo. A potência instalada da usina é para 77 MW, com capacidade para receber 3 mil toneladas/dia, sendo o grupo Lara o responsável pelo projeto.
Na sequência, em ordem de grandeza, está o projeto para Santos, no litoral sul paulista, que prevê URE de 50 MW, com capacidade para receber 2 mil t/dia de resíduos da Baixada Santista, incluindo Santos, São Vicente, Praia Grande, Mongaguá, Guarujá, Bertioga e Cubatão. A licença foi emitida em janeiro deste ano.
A tecnologia é por incineração.
O motivo do projeto é a região da Baixada Santista estar com capacidade de disposição de resíduos próxima do limite.
O recebimento em aterro sobrecarregado precisa, em várias localidades, “exportar” lixo, por exemplo, para o aterro de Mauá, subindo a Serra do Mar.
O quarto projeto licenciado é o Consimares, o consórcio intermunicipal de resíduos sólidos da região metropolitana de Campinas, de 22,5 MW e capacidade para receber 708 toneladas/dia de lixo dos municípios de Elias Fausto, Capivari, Hortolândia, Monte Mor, Nova Odessa, Santa Bárbara D’Oeste e Sumaré. A usina também de incineração tem planejamento de passar por licitação no próximo ano e será implementada em Nova Odessa.
As outras duas licenças emitidas preveem UREs com a tecnologia de gaseificação de resíduos. A URE Nova São João, em São João da Boa Vista, foi projetada para receber 150 t/dia e potência de 2,98 MW. A segunda é para ser instalada em Bragança Paulista, da Weber Consultoria e Engenharia, e tem capacidade um pouco maior: 180 t/dia de resíduos sólidos urbanos e 4,5 MW de potência para geração de energia.
Monitoramento contínuo
Para os licenciamentos em São Paulo, segundo explica o assistente executivo da diretoria de controle e licenciamento da Cetesb, Cristiano Kenji, as solicitantes precisam atender à resolução SMA 79/2009, que segue a linha da Comunidade Europeia para estabelecer as diretrizes e condições para operação e licenciamento.
“Ela (a resolução) tem os mesmos critérios, trabalhando nos limites de emissão e baseadas na melhor tecnologia disponível, que é utilizada na Europa”, disse.
Segundo ele, desde os tempos da elaboração da normativa, a equipe da Cetesb vem também estudando o tema, com várias visitas em instalações, várias delas em regiões densamente povoadas.
No aspecto das emissões, explica Kenji, a maior preocupação é com relação a dioxinas e furanos. Isso gerou, além dos limites de emissão muito baixos da resolução 79, também uma decisão da diretoria (034) em 2015, que passou a exigir no licenciamento ambiental uma avaliação de risco à saúde humana de emissões atmosféricas não intencionais de dioxinas e furanos. “Isso condiciona a emissão da licença ambiental prévia das UREs”, diz.
Outro ponto importante é o controle após a entrada em operação. Os procedimentos seguem o padrão já adotado pela Cetesb em indústrias e, principalmente, em incineradores de resíduos perigosos em operação no estado, cujas emissões requerem inclusive mais cuidados.
Isso começa quando a usina acaba de ser instalada, no requerimento da licença de operação. Nesse momento, ela precisa apresentar o plano de monitoramento e do teste de queima. Para validar esse teste e emitir a licença, a Cetesb analisará as amostragens para saber se a planta atende aos limites de emissão.
Após a entrada em operação, há coletas periódicas de amostras da chaminé para novas análises e a obrigatoriedade, no caso dos incineradores, de monitoramento contínuo de uma série de poluentes, como material particulado, NOx (óxidos de nitrogênio), CO, hidrocarbonetos, fluoreto de hidrogênio, cloreto de hidrogênio e SOx.